sexta-feira, 3 de abril de 2015

Crianças e socialização nos tempos atuais

Não posso me contentar com o que sabia há vinte anos sobre criança/infância. Sequer tomar como base minha própria infância ou a infância com a qual tenho tido contato como professora nesses anos todos da minha carreira profissional. As pesquisas científicas encabeçadas por mestres e doutores nas Universidades nos assombram com novos dados sobre o que é ser criança nos tempos atuais. 

Uma contribuição importante vem da Sociologia da Infância, na voz de Sarmento (2005, p. 371), que sinaliza as mudanças na concepção de criança engendrada pela sociedade ocidental nas últimas duas décadas. O autor esclarece que a Sociologia da Infância tem se colocado contrária à orientação aglutinante do senso comum sobre a infância, fazendo uma distinção semântica e conceitual, afirmando que se trata de uma categoria social do tipo geracional e criança, um sujeito concreto que integra essa categoria e que, na sua existência, para além de pertencer a um grupo etário próprio, é sempre um ator social que pertence a uma classe e a um gênero (apud PEREIRA, 2011).

Uma vez que levamos em consideração as palavras de Sarmento podemos entender melhor que a criança deveria ser vista pelos adultos, e, principalmente pelos profissionais da educação, como um ser social pleno, protagonista, agente ativo, competente, criativo, produtor de cultura, dotado de capacidade de ação e de (re) criar e compartilhar significados.

À primeira vista parece fácil, porém, mudar a perspectiva de uma sociedade sobre quem são as crianças e como sua educação deve atualizar-se pelas pesquisas que vem sendo publicadas em número significativo nas Universidades é, ainda, uma grande dificuldade que eu percebo. As próprias pesquisas lançam diferentes olhares sobre as crianças e a infância. Em grande medida, esses olhares caracterizam em parte como docentes olham suas crianças. 

Christensen e Prout (2002) indicaram quatro formas de ver as crianças e a infância nas pesquisas analisadas por eles: 
1 - A criança concebida como objeto de análise em relação aos adultos: seriam elas incompetentes, incompletas em relação ao desenvolvimento. As crianças emitem poucos dados sobre elas próprias. As informações vem geralmente através dos adultos (pais, professores);
2 - A criança é julgada pelas competências sociais e habilidades cognitivas que apresenta (sempre comparadas com as que os adultos já conquistaram);
3 - Criança como ator participante, com suas próprias experiências e interpretações do mundo;
4 - Crianças assumidas como informantes, envolvidas e co-produtoras.

Essas quatro perspectivas sobre a criança influenciam educadores em muitos aspectos, fazendo com que decidam que intervenções devam fazer na educação das crianças, com que percebam necessidades e ignorem outras, optem por socializá-las rumo às competências deles mesmos como adultos, influenciam-nos a tratar as crianças como imaturas o que reforçaria sua incompetência.

Percebe-se que as teorias da socialização das crianças têm preferido ficar mais na estabilidade do que encarar o desequilíbrio das incertezas e com isso anunciar as transformações das práticas educativas nas instituições formais. Pires (2013), que pesquisou sobre "Cinema e infâncias", convoca-nos a lançar um novo olhar sobre nós, adultos, e crianças, quando se trata de determinar se é possível encerrar nosso ciclo educativo antes de nosso desaparecimento:

"[...] as teorias da socialização precisam ser repensadas de forma a entender as crianças não como seres em devir, mas sim como parte integrante da sociedade na condição de crianças que são. Elas também são a sociedade, assim como a infância é uma parte estrutural da sociedade. Considero que todos nós, crianças, adultos e idosos, somos seres em devir, incompletos em todas as idades e fases da vida, por isso sempre em desenvolvimento, ao mesmo tempo em que já somos, a cada tempo, uma versão de nós mesmos, que já integra, participa e interfere na sociedade. Amadurecer, desenvolver, tornar-se alguém diferente do que vinha sendo é algo que perpassa toda a vida do indivíduo" (2013, p. 27).

Isto posto, podemos, com mais equilíbrio e tranquilidade, permitir que sejamos, como as crianças, incompletos formadores das novas gerações que, por compartilhar e reinventar o mundo com elas, refazem-se constantemente, sem que nos percamos na ideia de que sabemos tudo já, agora e para sempre.




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