segunda-feira, 14 de abril de 2014

O cachorrinho de pelúcia e a verdade sobre o faz de conta das crianças

Hoje, 14 de abril de 2014, tivemos uma grande oportunidade: ouvimos a professora doutora Maria Carmen Barbosa falar da Educação Infantil, entre práticas e contextos de origem na sociedade atual. Não é todo dia que podemos chamar pessoa com tamanha importância para os rumos da Educação Infantil no Brasil. Para quem desconhece, a Drª. Maria Carmen Barbosa esteve na coordenação geral do Projeto de Cooperação Técnica MEC e UFRGS para construção de Orientação Curricular e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, que atualmente norteiam as práticas pedagógicas docentes e os projetos pedagógicos dos municípios deste país, tanto os que estão por serem adequados como também os que estão em construção como o do nosso município. 

Caminhando pela rua, na volta deste dia tão importante para a Educação Infantil, passo em frente a uma loja de roupas de criança. Neste mesmo instante, aproxima-se da porta uma menininha, de uns cinco anos, creio, e, nas mãos, um cachorrinho, muito engraçadinho, de pelúcia. Uma boa imitação de cachorro de verdade. A menina chegou na porta, colocou o cachorrinho próximo ao chão e fez um som com a boca como para imitar que o seu animal estava urinando. Com a seriedade de uma boa dona de cachorro, ela o ergueu e voltou para o interior da loja. Se já não tivesse feito inúmeras leituras que me esclareceram, que me ensinaram, que me fizeram compreender que aquele gesto foi o que de mais sério uma criança faz ao brincar de faz de conta, eu diria que foi a palestra de Maria Carmen Barbosa que o teria conseguido elucidar. 

Às vezes, em nosso olhar cristalizado, temos a certeza que já sabemos o suficiente sobre o jogo de papeis que crianças a partir de dois anos assumem. Para quem não ouviu os argumentos de Barbosa, recomendo a dissertação de Maria Silvia de Moura Librandi da Rocha: "A constituição social do brincar: modos de abordar o real e o imaginário no trabalho pedagógico". Este trabalho data de 1994. Lamento apenas tê-lo descoberto vinte anos depois de sua defesa. Nunca é tarde quando se se sabe apaixonado. É claro que só os apaixonados são capazes de entender isso. Na educação, nosso objeto de amor vai melhorando à medida que nos dedicamos a ele. Quanto mais o conhecemos, mais queremos estar com ele. 

Muito obrigada, Profª. Maria Carmen Barbosa, por este terceiro encontro!    

domingo, 6 de abril de 2014

Os bonecos na fila do supermercado e a teoria sociohistórica: empenhemo-nos no debate!

Uma de minhas leituras prediletas são as ideias de Contardo Calligaris. Ele possui um pouco do espírito daquela pessoa que sempre procura uma lacuna em meio as certezas que, como seres humanos, achamos que alcançamos. Numa entrevista à Revista TPM* Calligaris assinalou alguns pontos sobre os quais venho refletindo, ainda que as suas afirmações sejam a partir da lente psicanalítica e o rumo deste texto seja em outra direção, sobretudo porque o meu olhar está fundamentado na pedagogia. Vejamos...

[...] Mas eu não tenho dificuldade em lidar com criança, [...]. Criança pra mim... tem que deixar rolar. 
Você teve quantos filhos? Tenho um filho de 30 anos e tive enteados, de outros casamentos. Realmente não acho que as crianças se beneficiem de ser o centro da vida dos adultos. Isso é um dos pilares da contemporaneidade, um amor narcisista pelas crianças. Estão todos tomados pela esperança de que os filhos sejam continuadores, aqueles que vão viver todas as felicidades das quais fomos frustrados. Estou bastante preocupado com a infância contemporânea. A maior mudança que posso imaginar no futuro, se você me perguntasse por onde é que a sociedade poderia mudar de maneira radical, seria a gente conseguir querer apenas produzir vida, e não reproduzir a nós mesmos.

Se vamos ou não continuar a colocar as crianças no centro de nossas atenções, o fato é que mais do que nunca, como pedagogos, estamos compelidos a compreender o papel da brincadeira na vida das crianças, o que me remete a voltar no tempo para me perguntar que mãe fui eu para minhas filhas que hoje são adultas e que professora tenho sido, que, por tantos anos, ignorou o quanto é crucial a brincadeira na constituição de nossa humanidade. Sinto-me reduzida à categoria mais ignóbil, porque vivi alheia ao que devia conhecer. Vygotsky, antes da década de 1930 do século XX, já afirmava que na brincadeira a atividade humana é revolucionária, ou seja, liga-se à capacidade do ser humano em fazer história, criar e alterar as circunstâncias de nossa existência. É a capacidade da criança de renovar a cultura a partir da brincadeira (SILVA, 2007, p.29-30). 

Calligaris, a meu ver, sugere que tanto quanto um lugar para adultos, que as crianças também o tenham e isto seria imprescindível para que possam viver e inventar as infâncias, cada uma a seu modo e nas condições que lhes são permitidas pela cultura na qual estão inseridas. O que na verdade quero assinalar não é se damos ou deixamos de dar importância às crianças, aliás, isto é mais atitude adultocêntrica do que visão democrática sobre os direitos humanos. A questão é: o que sabemos sobre as crianças, sobre sua forma de ser, estar, agir e pensar o mundo?

Estava na fila do supermercado no sábado pela manhã e vi uma cena incrivelmente comovente: uma mulher estava acocorada na fila do caixa em frente a uma menina, de três anos mais ou menos (de pé, ao lado, um homem, devia ser o pai da criança, esperando ser atendido) e nesse interlúdio as duas brincavam com pequenos bonecos. Ouvi a mulher (devia ser a mãe da menina) a falar com uma voz diferente e a manipular um dos bonequinhos e a criança fazendo o mesmo. Fiquei pensando em quanto respeito estava sendo demonstrado pela criança naquele gesto, uma vez que para a criança esperar na fila do supermercado não deve fazer o menor sentido. Ao invés de ouvir uma criança aos berros e reclames pedindo aos pais para comprarem os chocolates que tão bem se posicionam nestes locais, aqueles pais conseguiram fazer do momento de espera uma oportunidade para interagir. Digo isto porque não poucas vezes vemos nos semblantes dos adultos a insatisfação e o tédio de fazer compras em pleno sábado pela manhã, na iminência de se gastarem as horas do precioso fim de semana. 

O episódio que assisti, é claro, remeteu-me a minha própria maneira de fazer as coisas quando minhas filhas eram pequenas. Lamentei profundamente que não brinquei de faz de conta com elas na fila do supermercado e nas vezes em que irritada não expliquei-lhes melhor o funcionamento da vida. Esta constatação em nada se choca com a concepção de Calligaris; outrossim, só faz refletir sobre o papel das crianças na sociedade contemporânea. E diante disso, se pudesse, pediria ao universo que as religiões que confiam na possibilidade de voltar numa outra vida fosse verdadeira. Só assim eu corrigiria meus desvios.

* Dedico este texto as minhas filhas Channa e Camila, a quem, em tempo, mostrarei que podemos brincar com bonecos sempre que houver uma fila de supermercado por encarar.  

*http://revistatpm.uol.com.br/revista/137/paginas-vermelhas/contardo-calligaris.html