domingo, 3 de maio de 2015

As intermitências da prática pedagógica na Educação Infantil: o que temos privilegiado?

O cotidiano vivido na Educação Infantil é composto de detalhes. Por isso, muitas vezes, não nos damos conta de como as pequenas coisas e os pequenos gestos dão grandes resultados. Os profissionais que têm se interessado em ler sobre os novos rumos teórico-práticos propostos pela Teoria Histórico-Cultural conseguem visualizar uma mudança de paradigma e aí, convenhamos, de detalhe em detalhe, mudam-se práticas pedagógicas antes tão demarcadas por orientações biologistas.

Quando nos propomos a observar bem de perto o que acontece nos espaços de Educação Infantil, deduzimos que queremos fazer a educação da criança pequena com pouco, ou melhor, com muito pouco que diz respeito diretamente à sua curiosidade e ao que ela necessita. 

Percebo uma grande resistência por parte dos profissionais da Educação Infantil em aceitar que as crianças estão constituindo sua humanidade, nos seus primeiros passos, o berçário e não se extinguindo, é claro, até o final da etapa da Educação Infantil. Noto que há um desconhecimento do que se poderia inovar e se repetem costumes e ações que em muito já deveriam estar superados. 

O problema é que ninguém supera uma fase sem adentrar em uma nova. E para adentrar é preciso ler e ler e ler. 

Ao ter a oportunidade de me afastar um pouco, o suficiente para fazer uma análise do que se oferece hoje às crianças desse município, chego à conclusão de que preciso concordar com a professora Suely Amaral Mello, quando afirma que a educação da criança de 4 e 5 anos tem se espelhado no Ensino Fundamental e a educação da criança de 0 a 3 anos na da educação das de 4 e 5 anos. Então, de fato, não teremos uma especificidade mesmo. Teremos uma projeção equivocada, encerrada nos vícios da escolarização precoce e na inobservação de quem são as crianças em fase pré-escolar, não importa se elas tem seis meses ou cinco anos completos. 

A incumbência ensejada pela Teoria Histórico-Cultural deveria fazer-nos pensar mais na criança. Mas... nesta época do ano pensamos em dias das mães. Um grande esforço para impressionar as adultas, "mães" das nossas crianças, enquanto esse dispêndio de esforços poderia trazer novidades para as crianças de nossos Centros, o que certamente seria esperado que fizéssemos por elas. Oxalá isso fosse mostrado também às dedicadas mães, que, por certo, querem, sobretudo, o melhor para seus descendentes.

No sábado, caminhando pelas ruas da cidade, por duas vezes vi mulheres indígenas sentadas na calçada e em frente a elas uma pequena exposição da arte desse povo. Fiquei pensando que não temos em nossos Centros muitos desses objetos confeccionados expostos em nossas salas e poucas vezes vemos músicas, danças, tradições que o lembrem. Senti-me frustrada de certa forma, por não ter os objetos (onças, gato do mato, colares, instrumentos) para levar, mostrar e manusear com as crianças. Essa indignação, em parte, foi-me possibilitada pela Escola de Vigotsky que convoca os profissionais da Educação Infantil a apresentar o mundo às crianças pequenas, no que ele tem de mais inusitado e humano.

O que vemos em abundância são peças de encaixe, de todos os tamanhos e cores, brinquedos de borracha e plástico. Isso não é suficiente, é preciso dizer. Faltam-nos os objetos reais da cultura: máquina fotográfica, notebooks, gravador, carrinhos de madeira, livros, suportes diversos de escrita, areia, barro, água, plantas, tintas naturais, instrumentos musicais, rede de dormir, pedras de tamanhos diversos, flores, utensílios de cozinha, etc. 

O leitor pode pensar que deu-se aqui  uma miscelânea de coisas, um tanto quanto confusas. Pode ser, mas, a docência na Educação Infantil numa nova perspectiva que privilegia ambos os protagonistas (adultos e crianças), está em construção, como já afirmei, e sua específica ação pode começar confusa. Se deixarmos, as crianças vão nos ajudar nessa tarefa de decidir. Devíamos ouvir mais os seus desejos, observar mais as suas culturas infantis. E então, entre gatos do mato e foto das mamães estampadas nos corredores dos Centros, podíamos indagar o que a elas concerne. Quem sabe ambos, se soubermos propor.