domingo, 30 de junho de 2013

Cotidianidade e sentido: ruptura para um outro tempo

Muitas vezes já pensei esse pensamento: aquela segunda-feira de manhã, na estação do inverno,
em que quase o dia não amanhece. Parece que a chuva chove no quarto e, nessa penumbra,
temos de levantar, do calor das cobertas extrair as forças e as energias para enfrentar o novo dia.

Aí lembro de um outro ser que levanta junto com esse tumulto gélido. Que enfrenta a vida sem ser
questionado. Que adere aos movimentos dos outros para um dia fazê-los seus.

É o cotidiano que aguarda a vida, numa continuidade que vai por si mesmo, carregando os sujeitos em suas particularidades. Não reivindica ser pensado, esse cotidiano, nem pormenorizado, nem logo significado.
Ontem o cotidiano era liberdade, era lazer. Hoje esse cotidiano se traduz em obrigação e alienação.

E quando tudo estiver organizado por esse cotidiano sem data, crianças estarão nos Centros de Educação Infantil, homens e mulheres estarão em suas frentes de trabalho remontando a inércia do cotidiano engessado, que a chuva e o frio não desfizeram.

Na vivência do cotidiano como continuidade, da vida que se perpetua, na criação de um mundo
sensível e prático, o drama não se reduz ao salário do fim do mês mas ao sentido que ele dá à própria
vida do sujeito.

* Esta reflexão me foi permitida pela leitura da tese de doutorado da professora Graziela Escandiel de Lima, sob título "Cotidiano e trabalho pedagógico na educação de crianças pequenas: produzindo cenários para a formação de pedagogos", defendida em 2010, na Universidade de Santa Maria, RS.
* Este texto é também uma homenagem a todas as crianças que desde muito cedo veem suas vidas desafiadas em colaboração às difíceis jornadas de trabalho de seus pais e mães.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

A "rotina" que educa: uma prática de pensar sobre o óbvio


 O banho do bebê, a troca de fraldas, o momento da alimentação, a interação 
mediante o toque, o pegar a criança no colo,
 a música, a comunicação oral, ou seja, a fala, 
a conversa estimulada (linguaguem), o riso e as manifestações 
afetivas não devem se consideradas menores, 
porém fundamentais. 
(SCHULTZ. L. M. J.)*


Ontem conversei com oito professoras de turmas de Berçário. A todas elas contei uma historinha que, se não houvesse mais nenhum outro argumento, serviria de motivo porque ando defendendo, com plena convicção, um formato de planejamento que inclui todos os momentos do dia vividos com um grupo de bebês: da chegada das professoras até o momento em que vão embora.

Às vezes é melhor mesmo fazer o caminho das pedras. 

Há três anos tive o prazer de trabalhar com professoras que muito me ensinaram sobre o trabalho com bebês (por vezes, na contramão do tempo, também é preciso confessar). 
 
Uma das professoras, em especial, foi responsável pela minha primeira grande indignação ao trabalhar pela primeira vez como professora de bebês. A questão residia no que fazíamos com os bebês durante o período em que se encontravam sob nossos "cuidados". Na concepção de minha colega a hora mais importante era a "hora da atividade". Fiquei logo sabedora que se tratava de um momento ímpar, vivido na sala, geralmente, pelo grupo de crianças com suas professoras e que supostamente era muito importante, quase que exclusivamente responsável pelas aprendizagens das crianças. 

Comecei a perceber que por mais que estivéssemos envolvidos em brincadeiras na área externa com as crianças, por mais que o escorregador do parque estivesse sendo o desafio momentâneo, o correto era encerrar, às vezes, abruptamente, aquele momento e ir à sala realizar a "atividade".  Só a "atividade" legitimamente faria a diferença no processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. A configuração de meu planejamento, logicamente, estava centrado em encontrar a melhor das atividades para cada dia. 

Nos primeiros seis meses de trabalho fiquei convencida de que era inapta para a função de professora de bebês e não poucas vezes tive vontade de abandonar esse trabalho. Havia algo na minha prática e no meu planejamento que eu repudiava pois me parecia desencontrado e lacunar. Por fim, fiz a reflexão e cheguei à conclusão de que era necessário mostrar o que fazíamos com nossas crianças de uma forma transparente e convincente. Passei a planejar todos os momentos "ícones" do cotidiano do Berçário II. Dei às atividades de cuidado o "status" devido: o de ser o próprio ato educativo com bebês.

De reflexão em reflexão, a cada dia estou mais convencida que ninguém mais que o\a pedagogo\a dever gestar e nutrir sua prática pedagógica através do exercício de pensar sobre o óbvio. É no cotidiano de sua atividade que ele encontra as demandas de um planejamento para e com os bebês.

São eles, os bebês, que nos fornecem os elementos sobre os quais refletimos e avançamos no aperfeiçoamento de nossa intervenção.

Os bebês, em suas linguagens diárias, oferecem o conteúdo e a forma do currículo. Sorriem, choram, dormem, comem, engatinham, brincam, ouvem, observam, resmungam, gritam, balbuciam, tocam, acariciam, caminham, arrastam, levantam, caem, sentam, deitam, agarram, seguram, respondem, leem, ignoram, cansam, movem, empurram, amam, apreciam, gesticulam, propagam, exigem e sentem a vida de todos os dias.

Pensar no que os bebês necessitam é o primeiro passo. Conhecê-los, fazê-los nossos personagens mais importantes, descobrir como lhes apetece dormir, comer, brincar, viver a vida que lhes pertence mas que nos pertence educar. Esse poderia ser um bom motivo para planejar.

Quando compreendermos a complexidade que é planejar como receber os bebês, como será alimentar, brincar no chão, trocar-lhes a fralda, ninar para dormir, tocar seu corpo na massagem, lavar suas mãos e rosto, levar para tomar sol, oferecer um chocalho, cantar e bater palmas, fazer caretas e sorrisos... então saberemos porque o pedagogo e não outro profissional está com eles nos Centros de Educação Infantil.

Por outro lado, quem trabalha em turmas de Berçário vai me compreender no que vou afirmar: sabemos o que os bebês querem. Se sabemos, também acharemos uma forma de pensar o que faremos por seu processo de aprendizagem e desenvolvimento no próximo projeto de trabalho que vamos elaborar. O meu desejo é que todas as professoras desejem algo para seu grupo de bebês. Que tal começar pela rotina de cuidados que educa?
 
* O texto de Schultz foi publicado no periódico Educativa, Goiânia, v. 7, n. 2, p. 287-305, jul,\dez. 2004.