domingo, 29 de setembro de 2013

Desejar, ler, encontrar...

Já é tarde... preciso dormir  mas esta história tenho de contar hoje ainda.
Conheci um professor, doutor em Educação Infantil, mas eu não sabia disso naquela manhã.
Nossa equipe de Educação Infantil da Secretaria de Educação foi visitar a Secretaria onde ele era um dos diretores. Fomos ciceroneados em visita a três Centros de Educação Infantil e depois recebidos na Secretaria de Educação. Passamos o dia com Altino José Martins Filho, autor da tese: "Minúcias da vida cotidiana no fazer-fazendo da docência na educação infantil", defendida no primeiro semestre deste ano, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a orientação da Profª. Drª Maria Carmen Barbosa. De novo ela, a sensível Lica, como seus orientandos intimamente a chamam.

Voltamos para nosso município naquele dia e eu ignorando com quem tínhamos passado o dia, porque, às vezes, não procuramos nos ater ao nome completo de uma pessoa. Foi por isso que eu só soube que tinha conhecido o autor da tese que li no fim de semana passado, como quem devora um romance de Vitor Hugo ou de José Saramago, meus autores favoritos, na segunda pela manhã, quando minha colega leu o nome completo de quem havia acordado em nos receber como visitantes.

São tantas as passagens que mexeram comigo na pesquisa de Martins Filho mas por hora, pelo adiantado de meu cansaço hoje, só quero deixar uma ideia que encontrei no texto deste autor: a de que o cuidado é inerente à profissão de professor\a de educação infantil. Mas a supervalorização da dimensão cognitiva é tão difundida  na sociedade ocidental que ao cuidarmos de nossas crianças  pensamos que a desativamos, só a retomando quando voltamos a desenvolver as propostas ditas de "cunho pedagógico".

Sinto-me compelida a compartilhar mais de minhas reflexões em função da leitura do trabalho do professor Altino. Durmo com a vontade e sei que vou acordar perseguindo a oportunidade.


Dedico este texto a minha amiga e colega de trabalho Cármen, que não foi conosco em visita mas é testemunha do que um deslocamento geográfico pode provocar numa professora quando o desejo a move.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Ciência e reavaliação: como a biruta do aeroporto

Meu trabalho atual se caracteriza, dentre outras atribuições, por visitas de acompanhamento às professoras de Berçário nos Centros de Educação Infantil. Este papel não se assemelha a de uma pesquisadora acadêmica, porém,  certamente, remete-me corroborar com Fernanda Carolina Dias Tristão, que em 2004 defendia sua dissertação na Universidade Federal de Santa Catarina, elaborando algumas ideias genuínas sobre o trabalho realizado por professoras de bebês em uma creche de Florianópolis, onde permaneceu cinco meses como pesquisadora.

Tristão escreve sobre o que acontece quando a professora concebe os bebês como seres competentes. Afirma que as possibilidades do trabalho pedagógico com os bebês se amplia muito. Os meninos e meninas reais com os quais ela conviveu nos meses de pesquisa, mostraram que há espaço para que as ações pedagógicas possibilitem brincadeiras que envolvem a fantasia, a imaginação, o companheirismo, a cumplicidade, o contato com crianças de outras idades semelhantes ou de outras idades, o desafio de explorar materiais e recursos e ambientes diferentes. De minha parte afirmo que as salas de bebês não necessitam, por exigência advinda de um lugar desconhecido, assemelhar-se, pela assepsia do ambiente, a quartos de hospital ou, quando ao contrário, a salas destituídas de harmonia ou toque de cuidado. Sobretudo, ao adentrar nas salas que visito, é possível reconhecer quem são as adultas professoras que habitam com seus bebês aquele espaço de vida coletiva.

A dissertação de Tristão também aborda a importância de conhecer cada uma das crianças e suas famílias, estabelecendo parcerias. O respeito para com as particularidades de constituição das famílias das crianças é indispensável. Um dos pontos fundamentais de respeito para com as famílias  e para com as próprias professores pelo trabalho que elas realizam é a prática da documentação. Esta documentação revela o cotidiano de crianças e adultos na unidade de educação infantil, por intermédio de diversas formas de registro, otimizando a comunicação entre ambos.

Por outro lado, não é possível fazer-se ver o que primeiro não é visualizado por suas protagonistas, isto é, as próprias professoras. Um misto de incredulidade e desconcerto se mescla no semblante das profissionais que atuam no berçário, sempre que menciono que todas as atividades realizadas com as crianças deveriam estar contempladas pelo planejamento. Parece que Tristão também sentiu o mesmo com a professora que ela acompanhou. Ela afirma: "O mesmo permito-me afirmar do seu planejamento - o escrito estava muito aquém do que acontecia em um dia no berçário: planejava atividades; os relacionamentos, os banhos, os momentos de sono ou de alimentação (que, devo ressaltar, eram marcados por muita intensidade), não eram pensados".

Tristão pergunta se nos cursos de formação as professoras estariam aprendendo a registrar, documentar e planejar. Nas próprias palavras da autora: "Registro e planejamento são ensinados como instrumentos elementares da prática pedagógica ou são ensinados como formalismos de uma instituição burocrática? Aprendem a planejar tempos, espaços e relações como determinantes da atuação pedagógica ou apenas coisas a serem feitas - atividades?" Lamenta, acrescentando: "É uma pena que práticas, como as da professora que acompanhei, não sejam respaldadas na reflexão ancorada nos registros e planejamentos. É por meio desses que o trabalho docente ganha visibilidade, torna-se concreto, pode ser discutido, elaborado e avaliado".

A autora finaliza esta parte da reflexão afirmando que não há manual de como ser professora de bebês e crianças pequenas. Poder-se-ia contar com o conhecimento produzido da experiência docente das professoras mas "que só pode ser apreendido e compartilhado se estiver escrito".

Algumas egressas do curso de Pedagogia poderiam afirmar que eu, como professora que fui neste curso, tampouco discuti práticas relacionadas a bebês e crianças pequenas. E todo o Colegiado de professores da época, sobretudo, pelo momento histórico, por inúmeras questões de que hoje estamos cientes. É justamente este um dos motivos pelo qual é necessário, que eu, incansavelmente, erga essa bandeira. Ontem não sabíamos. Hoje temos a obrigação de não continuar ignorando.

As pesquisas que venho lendo dizem-me todo dia: o futuro da educação infantil começa hoje. Se nos empenharmos a estudar, a nos atualizar, a discutir, a rever nossas concepções poderemos afirmar, junto com a velocidade da evolução dos bebês: todos os dias aprendemos algo novo. E nossa aprendizagem na educação infantil é ascendente. Quanto mais estamos com eles, melhores docentes nos tornamos, se continuarmos estudando e refletindo.

Só a ciência tem o estatuto para mudar de ideia. O senso comum nos aprisiona no dogma.       

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A triangulação de Victor

Semana passada veio visitar-me uma grande amiga, colega de docência do tempo de UNERJ, Drª. Graziela Escandiel de Lima. Contei-lhe minha paixão pelos bebês e sobre as leituras que venho garimpando, no intuito de compreender melhor como os bebês se desenvolvem e se educam em espaços coletivos, isto é, em nossa cidade, nos Centros de Educação Infantil.
Fiquei me perguntando se a visita de Grazi tinha apenas o intuito de matar nossa saudade ou se...
Quando ela estava saindo aqui de casa, pediu uma caneta e um pedaço de papel e escreveu o nome de um pesquisador que recentemente defendeu sua dissertação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O nome dele é Paulo Sergio Fochi.
No dia seguinte fui verificar do que se tratava e no site da Universidade encontrei: "Mas os bebês fazem o quê mesmo no berçário, heim?": documentando ações de comunicação, autonomia e saber-fazer de crianças de 4 a 14 meses em um contexto de vida coletiva, dissertação de Mestrado defendida em fevereiro deste ano, sob a orientação da Drª. Maria Carmen Silveira Barbosa. Na banca de defesa da dissertação: Craidy e Ostetto, de quebra.

Levei dois dias para ler o trabalho de 172 páginas, tamanha minha curiosidade em conhecer o conteúdo mais atual sobre bebês neste nível de pesquisa. E qual não foi minha surpresa ao ver que Fochi se inspirara teoricamente nas ideias Loris Malaguzzi, Emmi Pikler e Jerome Bruner.

Já não sei mais se a triangulação foi do trio Malaguzzi, Pikler e Bruner ou entre Grazi, os bebês e eu*.

Quando me debruço a ler um texto, resultado de uma investigação como a que cito aqui, que teve como orientadora e membros de banca as professoras doutoras acima citadas, sinto-me como que garimpando pedras preciosas. E se o referido trabalho envolve autores que atualmente tomaram uma importância como a que me foi dada de presente com Malaguzzi, Pikler e Bruner, então tudo se justifica: sou uma professora de muita sorte.

Malaguzzi e Pikler entraram em minha vida por intermédio do V Colóquio em Educação Pré-Escolar, realizado em São José, SC, no mês de julho do corrente ano. Duas palestras foram elucidativas quanto às propostas do Instituto Lóczy e as escolas de educação infantil de Reggio Emília e seu idealizador Malaguzzi.

Bruner me veio de surpresa numa palestra para professores de Ensino Fundamental, proferida, no final do mês de julho último, pela Drª. Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida - PUC/SP. A palestrante trouxe um pensamento de Bruner que me falou em especial: o conceito e o significado da narrativa de uma experiência. Para Bruner, a narrativa é uma representação que o sujeito faz da experiência histórica, social e do sentido que atribui a sua vida, de sua compreensão sobre como a realidade é construída e como, comunicando pela narrativa, lidou com tudo isso (1997). No trabalho de Fochi, Bruner teve papel preponderante porque o ajudou a compreender sobre a linguagem e a narrativa dos bebês.

A dissertação de Fochi nos possibilita parar para observar a capacidade que os bebês têm de explorar os ambientes e o mundo que abrimos para eles. O pesquisador acompanhou nove bebês de Berçário I, isto é de 4 a 14 meses, descrevendo alguns episódios de exploração que eles realizaram e de encontros entre pares, através de registro fotográfico e descrição detalhada e fundamentada. Fochi convida o leitor a se convencer de como bebês, por muito tempo vistos como dependentes, incompletos e imaturos, podem nos surpreender por seu protagonismo, competência e completude no que tange às capacidades de convívio, exploração e interação no ambiente, com o ambiente, com outros bebês e com adultos.

É preciso reconhecer que o campo de pesquisa sobre bebês ainda engatinha. Talvez nem isso. Apenas esteja começando a se equilibrar, sentado, rodeado de almofadas. Mas como sabemos o fim desta história, um dia esse bebê há de andar.

* Eu falo em triangulação de Victor, porque foi o sociólogo e professor Victor Alberto Danich, meu colega docente também da UNERJ, que um dia interpretou um fato semelhante que me ocorreu, como uma triangulação que, segundo ele, envolve três personagens afins em uma história que os liga de alguma forma a um fato comum.