domingo, 17 de novembro de 2013

Meu encontro com Maria Carmen Barbosa

Participei esta semana de um encontro que considero inesquecível para minha formação profissional. Conheci pessoalmente a Profª, Drª Maria Carmen Silveira Barbosa. E para entender a satisfação desse encontro, insiro-a entre meus favoritos: José Saramago (que não poderei mais visitar na ilha espanhola de Lanzarote pois ele não voltará de carona nas intermitências da morte); Victor-Marie Hugo (que viveu de 1802 a 1885 e produziu o romance "Os Miseráveis", leitura que me causou uma sensação aveludada de escrever); Contardo Calligaris (que consegue me fazer ouvi-lo falar mesmo quando estou apenas lendo, porque, sobretudo, com ele aprendi a reconhecer que o que me passa devo procurar viver).

Maria Carmen Barbosa entrou em minha vida indiretamente, através de seus orientandos em pesquisas de mestrado e doutorado. Interessante o processo em que se deu essa inserção: primeiro li o que outras pessoas pesquisaram sob sua orientação e, por último, li o seu próprio trabalho que a habilitou a atuar como orientadora: "Por amor e por força: rotinas na educação infantil".  

Em nosso encontro não pude compartilhar que reconheço seu pensamento em cada trabalho que orientou nos últimos anos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Não pude dizer que essas leituras são responsáveis por quase tudo que sei hoje a respeito de bebês (acrescidas as leituras, também sobre bebês, produzidas pelos cursos de mestrado e doutorado da Universidade Federal de Santa Catarina).  

Qualquer pessoa interessada em se apropriar do conteúdo de pesquisas orientadas por Barbosa, pode acessar o site da Universidade e encontrará, por exemplo, a dissertação de Paulo Sergio Fochi, intitulada "Mas os bebês fazem o quê no berçário, hein?": documentando ações de comunicação, autonomia e saber-fazer de crianças de 6 a 14 meses em contextos de vida coletiva. Este trabalho remete refletir sobre a imagem de criança que temos. Grande parte do desenvolvimento teórico da pesquisa embasou-se no que escreve Loris Malaguzzi, que Fochi trouxe através do seguinte excerto:

Existem cem imagens diferentes de criança. Cada um de nós tem em seu interior uma imagem de criança que orienta sua relação com ela. Essa teoria, em nosso interior, nos leva a um comportamento de diferentes maneiras: nos orienta quando falamos com a criança, quando escutamos a criança, quando observamos a criança. É muito difícil para nós atuar de forma contrária a esta imagem interna (1994).

Fiquei pensando na imagem interior que tenho dos bebês e também nas imagens que têm cada uma das professoras de bebês que tenho visitado, acompanhado e auxiliado na formação em serviço em nosso município. 

Pensei na graduação em Pedagogia e percebi que não foi apenas esse curso que faz hoje minha concepção de bebês (há de se dizer que, aliás, em muito pouco contribuiu porque de 1988 a 1991 não se falava muito de educação para bebês. Todo mundo evitava esse assunto pois bebês eram criaturas muito desprovidas de comunicação para que nós, adultos na época, estivéssemos preparados para entender, rs ).  

Pensei na minha experiência como mãe. Talvez de lá pudesse extrair informações suficientes para compreender os bebês. Mas percebi que a maioria das vezes o ditado acerta: "Em casa de ferreiro, o espeto é de pau". 

Voltei minhas certezas para minha infância, afinal eu me lembrava que quando tinha três anos nasceu Eliane, minha irmã, com a qual brinquei e até me indispunha ao reclamar para minha mãe que ela atrapalhava minhas brincadeiras de casinha, mexendo em tudo e desarrumando minhas xicrinhas. Também isso não pareceu fundante o suficiente para atrelar minhas concepções sobre bebês. 

Tive quase certeza que foi em 2010, quando a primeira vez trabalhei com uma turma de bebês como professora deles, quando aprendi de uma vez quem são, como são, o que fazem bebês. Mas logo me passou a certeza quando revisitei meus planejamentos, minhas reflexões nos relatórios diários que eu fazia, nas fotografias tiradas dos momentos com eles, dos objetos que possibilitei acesso, dos trabalhos que com eles desenvolvi através de meus projetos, dos móbiles que pendurei na sala, da altura em que pensei que devessem ficar os personagens das histórias que li. 

Percebi que a graduação em Pedagogia, a experiência de ter tido filhos e de conviver com irmãos, a docência de sala com bebês não foi nada suficiente. Constatei, principalmente que, assim como eu, muitas professoras tiveram experiências e vivências similares, sobretudo, muitas delas com longos anos em sala com bebês e ainda assim, práticas pedagógicas que me parecem insuficientes para reconhecer os bebês como pessoas de inteireza. Percebi, então, que meu contato com os bebês foi feito mais de equívocos do que de certezas. Por isso, sou tranquilizada pelas palavras finais da tese da professora Carmen:

Depois de tudo o que aprendemos nas ciências sociais do século XX,
é preciso que os educadores aceitem que os seres humanos
constituem em um campo onde agem distintas forças e que nós, os
educadores, também não somos nada mais do que aquilo que os
outros fizeram ou fazem de nós, e o que nós fizemos dessas
influências. Passa-se a vida inteira tentando forjar um eu, uma
identidade, mesmo que provisória, a partir das possibilidades e
escolhas que se tem. Mas por mais que se queira fazer deste eu uma
consciência una, autônoma, este eu vai continuar sendo cheio de
incertezas, mobilidade, de dúvidas. Este eu, é um eu formado de
outros, um eu permeado, não fixo. É um eu que emerge por amor e
por força.

No encontro com a Profª. Drª  Mariam Carmen houve um debate e uma professora levantou uma questão relacionada às Diretrizes Curriculares publicadas em 2009, sobre os eixos do currículo centrados nas relações e na brincadeira. Sua argumentação foi em relação à insuficiência das práticas pedagógicas com intencionalidade por parte das professoras, detectadas em um município catarinense. É esta a questão que decorre para o pedagogo: em que momento estamos com nossa formação concluída? Pode uma formação estar um dia concluída? Propostas e diretrizes dão conta por si só de sensibilizar os profissionais da educação a melhorar, a aperfeiçoar, a refletir sobre sua prática?

Conhecer Maria Carmen Barbosa deu-me pelo menos alguns caminhos:
- é preciso que nos revisitemos constantemente em nossas práticas e concepções;
- é preciso estudar muito;
- é preciso participar de cursos de formação em serviço e formação continuada;
- é preciso que reflitamos coletivamente os caminhos trilhados pela educação infantil;
- é preciso que nos despojemos de certezas e possamos buscar inovação nas dúvidas;
- é preciso buscar compreender o ser professor como uma atividade política;
- é preciso compartilhar nossas oportunidades (esta que faço aqui, por exemplo).

Termino com um pensamento de Lyotard, comentário em uma entrevista, que acessei pela tese de Barbosa, e que muito me diz sobre "ser" para o outro:

se eu devesse atribuir uma finalidade à educação - é uma pura hipótese da minha parte, - seria a de tornar as pessoas mais sensíveis às diferenças, de fazê-las sair do pensamento massificante. É preciso educar, instruir, nutrir o espírito de discernimento, formar para a complexidade (In: Kechikian, 1993, p.50).

Muito obrigada, Professora Lica!

domingo, 3 de novembro de 2013

A vida dos bebês como indicadores para melhorar a prática pedagógica dos/as professores/as

Tenho me deparado constantemente, nas salas de berçário que visito, com bebês que reagem de diferentes maneiras à minha presença. À primeira vista poderia supor que as reações deles são expressões de desaprovação e desconforto. Já cheguei a me perguntar até que ponto tenho o direito de "invadir" esse espaço, subentendido dos bebês, de suas professoras e dos demais profissionais que atuam próximos ao berçário.

Se não fossem as produções acadêmicas (teses e dissertações) sobre e com os bebês, publicadas pelas universidades nesta última década, bem poderia concluir que, de uma vez por todas, os bebês devem ser deixados em paz. Não deveríamos expô-los a aceitar que adultos, como eu, alheios ao ambiente já "familiar", viessem perturbar o seu bem-estar.

Isto seria verdadeiro se considerarmos os bebês seres fragilizados, incapazes e inaptos a socializarem-se e a socializar os que com eles fazem contato. Ora, a criança desenvolve  nos primeiros anos de vida uma incrível capacidade comunicativa. Dentre alguns trabalhos que tenho lido e que argumentam a competência interacional de bebês está o de Joselma Salazar de Castro, intitulado "A constituição da linguagem e as estratégias de comunicação dos e entre os bebês no contexto coletivo da educação infantil", dissertação defendida no ano de 2011, na Universidade Federal de Santa Catarina, sob a orientação Eloísa Acires Candal Rocha. Esta pesquisadora defende que os bebês, ao interagirem com os pares e com aqueles que são diversos de si, crianças e adultos com características físicas, modos de agir e de pensar, com histórias e culturas diferentes, enriquecem o repertório criativo das crianças e ampliam as ações comunicativas que se constituem pela linguagem desses pequenos (p.23). Nas palavras de Castro (2011, p. 98) encontramos :

Ao refletir sobre essas estratégias de comunicação como constituidoras da linguagem entre os e dos bebês, torna-se importante pensar que, entre crianças que ainda não falam, os recursos comunicativos serão amplos e diferenciados do que se vê entre crianças maiores, já com o domínio da linguagem verbal. Nesse sentido, o corpo, os gestos, olhares, sorrisos, choros e algumas verbalizações, [...] foram observados como princípio para a compreensão de como o processo da linguagem, na sua complexidade, ocorre. 

Por isso, antes de pensar que os bebês sofrem ou se sentem melindrados com minha presença, vou entendê-los como seres componentes de uma geração específica, que têm como forte característica a dependência na satisfação de suas necessidades nos adultos mas que rapidamente são capazes de se apropriar das relações estabelecidas em seu entorno, como de sua composição.

E quando à minha presença reagirem com olhares de curiosidade, com sorrisos largos, com choro, escondendo-se atrás de suas professoras, sumindo pelos cantos da sala ou debaixo de berços, agarrando-se ao pescoço de algum adulto bem conhecido ou oferecendo-me brinquedos, abraçando-se a mim voluntariamente, sentando em meu colo, interagindo com brincadeiras diversas... saberei que se trata da linguagem de bebês, que se constitui pela interação com diferentes contextos históricos e sociais e se transformam continuamente pela sua própria ação e pela ação com outros sujeitos coetâneos, crianças maiores e adultos (Castro, 2011, p. 44).

Pelo exposto e com a ajuda elucidativa de pesquisas que têm privilegiado os bebês e crianças pequenas como sujeitos, sobre os quais começa-se a conhecer mais, graças à sociologia e à antropologia da infância, vou continuar querendo me aproximar mais e mais das salas de berçário pois, segundo Cerisara "o conhecimento sobre quem são as crianças, o que elas fazem, como brincam ou como vivem suas infâncias é, antes de tudo, um ponto de partida que possibilita elaborarmos indicadores para a prática pedagógica dos professores" (2004, p. 37-8).

Além de escolhermos como educar bebês, quem sabe incluamos contar com a ajuda deles para fazer-nos melhores profissionais da educação, pois como alerta Prout (2004), os adultos apresentam um caráter de inacabamento tanto quanto as crianças, e que, como característica humana, somente se avança no processo de humanização, por meio da socialização e da interação entre um sujeito e outro" (citado por Castro, 2011, p. 102).

Sendo assim, ainda que pertencentes a gerações diversas, alguma similitude sempre aproximará adultos e crianças.