domingo, 25 de agosto de 2013

Se você mudar de ideia, avise-me!

O texto anterior, que intitulei "Santo de casa não faz milagre! Não?" foi escrito enquanto lia a dissertação de Mestrado de Rosinete Valdeci Schmitt "'Mas eu não falo a língua deles'!: as relações sociais de bebês num contexto de educação infantil". Bem... hoje finalizei a leitura.

Enquanto os dias passavam e novas ideias me eram presenteadas por Schmitt, devia ter escrito os pequenos episódios que a leitura me sugeria. Arrependo-me de não tê-lo feito, já que assim perdi grandes oportunidades de refletir o que me concernia neste texto.

Relendo minhas anotações, em especial a anotação de um excerto da página 195 da dissertação, vejo que mudei minha relação com a profissão de professora de educação infantil. Causa-me admiração como o ser humano pode ser afetado tão profundamente em suas concepções a respeito de seu trabalho em pouco mais de três anos, a ponto de dissolver antigos conceitos para instaurar novos de uma forma tão contundente.
Sou dessas sobreviventes que olham para trás e renomeiam as experiências de sofrimento. Sim... minha primeira experiência em Educação Infantil foi de muito sofrimento. Ainda bem! Se não o tivesse sido, talvez eu não a considerasse tão importante agora. Muitas pessoas não gostam de admitir que um dia começaram e tiveram dificuldade e quantas dificuldades foram! Nesse sentido, não me causa constrangimento algum em pensar que há três anos eu não fazia a menor ideia do que era ser professora de bebês. Creio que ainda tenho muito o que aprender. Porém, reconhecer que esta profissão me encanta e me move todos os dias é, no mínimo, uma de minhas maiores alegrias atuais.
Quando constatamos nossa ignorância como o primeiro passo para começar a conhecer, nossos sentidos se aguçam e tudo que se passa no âmbito de nosso interesse começa a ter um novo significado.
Por isso, o texto de Schmitt veio ao encontro de minhas perguntas, de minha fome de saber mais, de minha ânsia de interpretar o que acontece nas salas de berçário que tenho visitado. Sobretudo, a leitura dessa dissertação e outras que estão na fila de espera, remetem-me à suspeita que me rondava, quando, há três anos, não me conformava com a crença das pessoas, com as quais iniciei, sobre ser a "hora da atividade" a única que faria a educação dos bebês. Comecei engatinhando, como os bebês, a incluir em meu planejamento e reflexão pós-ação, a necessidade de dar visibilidade a um cabedal de "outras" atividades para e com os bebês, que, equivocadamente, não eram reconhecidas como importantes por aquelas pessoas que me avaliavam como professora.   
Identifiquei-me hoje com minha prática de cuidados no tempo de professora do curso de Pedagogia. Só nessa pequena parcela de cuidado que era devolver os textos aos/às acadêmicos/as com sugestões, perguntas, observações vejo uma boa mostra do que se poderia chamar "pedagogia de cuidados". Uma professora, um professor, então, independente com que idade pratica a docência, é afetado pela atitude de cuidado para com seus discentes.
É possível ser professor/a sem a intenção de "cuidar" da educação do outro? Cuidar, em analogia com a forma que Luckesi explica a primeira atitude do avaliador frente à situação a ser avaliada, que é a de acolhida, ou seja, o educando na forma em que se encontra.

No âmbito da Educação Infantil "os cuidados" são a tônica do trabalho do/a professor/a. Quem está inserido nos Centros de Educação Infantil sabe do que estou falando. Mas a questão não está bem resolvida, muito menos esclarecida o suficiente para os profissionais da primeira infância, quem dirá à sociedade que não imagina a complexidade que o assunto encerra!

Quanto mais se propaga a indissociabilidade do binômio educar/cuidar, mais se aprofunda a sua cisão. Por isso, percebi que na afirmação abaixo, de Schmitt, o foco se inverte ao estender a necessidade de 'cuidados" também àqueles momentos que denominamos de "educativos" e não o seu contrário: cuidar para educar.

"[,,,] o cuidado aparece (aqui a pesquisadora se refere à sala com bebês de 4 meses a um ano, onde permaneceu durante oito meses em observação) como um importante elemento constituinte entre bebês e profissionais no espaço coletivo da creche. Como parte do processo educativo, o cuidado constitui-se em todas as ações desse espaço, envolvendo as relações diretas e indiretas entre adultos e crianças. Além de afirmar o aspecto pedagógico das ações de cuidado como parte do planejamento do professor de educação infantil, é mister perceber o cuidado para além dos momentos de alimentação, higiene e sono. Ele está presente, ou deveria estar, em outras ações planejadas pelo professor, como na organização dos espaços acolhedores e convidativos para os encontros entre os bebês, na escolha dos materiais, na entonação de voz e da comunicação do corpo, na postura sensível de auscultar e responder aos pequeninos" (2008, p. 195).

Não termino a reflexão com esta citação. Ao contrário, a discussão está só começando. As ideias vem, as posturas mudam. A gente vai sinalizando...



   

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Santo de casa não faz milagre! Não?

No dia 30 de março de 2012 tive a oportunidade de assistir uma palestra proferida por Ângela Scalabrin Coutinho. Não sabia eu que essa pesquisadora me auxiliaria a defender uma ideia que venho aprofundando à medida que visito salas de Educação Infantil que são compostas por bebês.



"As crianças no interior da creche: a educação e o cuidado nos momentos de sono, higiene e alimentação" é o título de sua Dissertação de Mestrado, defendida no ano de 2002, na Universidade Federal de Santa Catarina e que foca as ações sociais das crianças na creche nos momentos citados no título, segundo a explanação de Schmitt (2008). Inserida durante dez meses num grupo de crianças de 1 a 2 anos, Coutinho pôs-se a observar e a registrar as relações entre as crianças nos momentos de sono, higiene e alimentação. A pesquisadora observou que esses momentos de cuidado estavam desvinculados do contexto pedagógico, pois não eram mencionados nos planejamentos das professoras. Esses momentos eram desenvolvidos de forma automática, seguindo uma rotina institucionalizada, o que alienava sua ação docente e a das crianças das ricas e reiteradas interações entre elas. Coutinho observou, principalmente, que as crianças interagiam segundo significados diversos dos adultos, mas de forma intensa e prazerosa.

A forma repetitiva de executar as ações de cuidado e educação dos adultos observados em contato com as crianças demonstrou, sobretudo, que havia dois jeitos de ser: o jeito das crianças, "dinâmico, diverso, pulsante" e o da instituição, geralmente do adulto: "rotineiro, homogêneo e ritualizado" (2002, p. 72).
Contudo, Coutinho deixa claro que as interações e expressões das crianças nos momentos de sono, higiene e alimentação são criações próprias da cultura infantil, baseadas no mundo cultural e social que as crianças compartilham com outras gerações, que elas buscam na cultura que as cerca e nos bens culturais que a sociedade disponibiliza para elas.

Não é incomum o adulto interpretar as manifestações das crianças com significado de transgressão, desobediência, "bagunça", para usar o termo de Coutinho. O desconhecimento das criações infantis por parte dos adultos reflete no planejamento, que não se debruça sobre os momentos de cuidados.


Tenho me esforçado para entender as escolhas dos/as professores/as de bebês e crianças pequenas que não se perguntam de que é constituído o cuidado, senão de concepções de educação. De que são impregnados os gestos, as ações, as escolhas no dia-a-dia com as crianças de suas turmas senão das crenças e dos valores desses profissionais? A despeito disto Coutinho assegura que os momentos de cuidado deveriam ser pensados, planejados e observados como oportunidade de encontros e trocas entre as crianças e entre adultos e crianças (SCHMITT, 2008, p.48). 

Não falo aqui de santos, casas e milagres mas bem que logo poderíamos nos convencer!

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Silêncio: os bebês estão falando!

Tenho me ocupado com a leitura da Dissertação de Mestrado de Rosinete Valdeci Schmitt na ânsia de compreender os bebês que hoje tanto me convidam a aprender observá-los.
E por que os quero observar?
Porque a linguagem dos bebês é a que mais me emociona atualmente.
Ainda hoje, enquanto caminhava depois do trabalho, passo por uma jovem mãe, sentada no ponto de ônibus entre tantos outros que aguardavam o transporte público. Seu pequeno bebê, embrulhado em uma manta, era chacoalhado numa cadência que só as mães sabem porque o fazem. O bebê, de olhos muito vívidos e abertos, estava atento a observar o tumulto de pessoas indo e vindo, subindo e descendo dos ônibus. Pareceu-me o melhor dos expectadores. Eu vi nesse bebê uma capacidade de apreender da realidade e do seu entorno tanto quanto qualquer outro ser humano que por ali se encontrava, ainda que nós, adultos, sempre coloquemos os bebês como seres imaturos demais para interagir com competência. E foi esta constatação que devo à leitura de Schmitt e que gostaria de alargar a seguir.
"Mas eu não falo a língua deles": as relações sociais de bebês num contexto de educação infantil é o título que Schmitt desenvolve através de pesquisa etnográfica, com quinze bebês de quatro meses a um ano e três meses,  no município de Florianópolis, no ano de 2008.
O principal objetivo da pesquisadora foi conhecer e analisar as relações sociais constituídas com bebês e entre eles num espaço público de educação infantil.
Os resultados apontaram que os bebês são capazes de estabelecer múltiplas relações, envolvendo adultos, outros bebês e crianças maiores, atravessadas, essas relações, das condições materiais e significação desse espaço.
Também apontaram que as ações pedagógicas de cuidado das professoras, além de representarem encontros próximos entre adultos e bebês, proporcionaram, concomitantemente, um tempo e espaço de encontro entre os bebês, de se relacionarem uns com os outros e com o ambiente implicando a necessidade de uma preocupação além da ação direta dos educadores mas também sobre sua ausência/distanciamento frente ao grupo.
Choro, sorrisos, balbucios, risos, sons, palavras, movimentos foram as expressões comunicativas dos bebês, asseguradas segundo processos de desenvolvimento que vão sendo ampliados conforme significados constituídos nas relações coletivas.
Schmitt afirma que as "formas expressivas das crianças não são inatas mas constituídas socialmente na relação com outras pessoas, imbricadas com aspectos culturais, históricos, econômicos, de etnia, de gênero, de geração" (2008, p. 10). Assim percebo o que recomenda a autora, que é preciso estabelecer o diálogo com os bebês e crianças pequenas para perceber o que nos indicam sobre o que são, o que sentem e como constituem suas infâncias no espaço coletivo. Ao mesmo tempo, considerar o bebê e a criança competentes socialmente não minimiza sua condição de dependência dos adultos.
O interessante nesta pesquisa é que ela se enveredou pelo caminho de conhecer os bebês como protagonistas para além daquilo que o adulto propõe. Sua contribuição está na constituição de uma prática pedagógica docente respeitosa quanto aos direitos das crianças.
Quando nos propusermos observar os bebês sem a intenção de descrevê-los mas realmente enxergá-los como pessoas que são, abandonaremos o discurso de como os bebês são e de como devem ser.