Participei esta semana de um encontro que considero inesquecível para minha formação profissional. Conheci pessoalmente a Profª, Drª Maria Carmen Silveira Barbosa. E para entender a satisfação desse encontro, insiro-a entre meus favoritos: José Saramago (que não poderei mais visitar na ilha espanhola de Lanzarote pois ele não voltará de carona nas intermitências da morte); Victor-Marie Hugo (que viveu de 1802 a 1885 e produziu o romance "Os Miseráveis", leitura que me causou uma sensação aveludada de escrever); Contardo Calligaris (que consegue me fazer ouvi-lo falar mesmo quando estou apenas lendo, porque, sobretudo, com ele aprendi a reconhecer que o que me passa devo procurar viver).
Maria Carmen Barbosa entrou em minha vida indiretamente, através de seus orientandos em pesquisas de mestrado e doutorado. Interessante o processo em que se deu essa inserção: primeiro li o que outras pessoas pesquisaram sob sua orientação e, por último, li o seu próprio trabalho que a habilitou a atuar como orientadora: "Por amor e por força: rotinas na educação infantil".
Em nosso encontro não pude compartilhar que reconheço seu pensamento em cada trabalho que orientou nos últimos anos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Não pude dizer que essas leituras são responsáveis por quase tudo que sei hoje a respeito de bebês (acrescidas as leituras, também sobre bebês, produzidas pelos cursos de mestrado e doutorado da Universidade Federal de Santa Catarina).
Qualquer pessoa interessada em se apropriar do conteúdo de pesquisas orientadas por Barbosa, pode acessar o site da Universidade e encontrará, por exemplo, a dissertação de Paulo Sergio Fochi, intitulada "Mas os bebês fazem o quê no berçário, hein?": documentando ações de comunicação, autonomia e saber-fazer de crianças de 6 a 14 meses em contextos de vida coletiva. Este trabalho remete refletir sobre a imagem de criança que temos. Grande parte do desenvolvimento teórico da pesquisa embasou-se no que escreve Loris Malaguzzi, que Fochi trouxe através do seguinte excerto:
Existem cem imagens diferentes de criança. Cada um de nós tem em seu interior uma imagem de criança que orienta sua relação com ela. Essa teoria, em nosso interior, nos leva a um comportamento de diferentes maneiras: nos orienta quando falamos com a criança, quando escutamos a criança, quando observamos a criança. É muito difícil para nós atuar de forma contrária a esta imagem interna (1994).
Pensei na graduação em Pedagogia e percebi que não foi apenas esse curso que faz hoje minha concepção de bebês (há de se dizer que, aliás, em muito pouco contribuiu porque de 1988 a 1991 não se falava muito de educação para bebês. Todo mundo evitava esse assunto pois bebês eram criaturas muito desprovidas de comunicação para que nós, adultos na época, estivéssemos preparados para entender, rs ).
Pensei na minha experiência como mãe. Talvez de lá pudesse extrair informações suficientes para compreender os bebês. Mas percebi que a maioria das vezes o ditado acerta: "Em casa de ferreiro, o espeto é de pau".
Voltei minhas certezas para minha infância, afinal eu me lembrava que quando tinha três anos nasceu Eliane, minha irmã, com a qual brinquei e até me indispunha ao reclamar para minha mãe que ela atrapalhava minhas brincadeiras de casinha, mexendo em tudo e desarrumando minhas xicrinhas. Também isso não pareceu fundante o suficiente para atrelar minhas concepções sobre bebês.
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Percebi que a graduação em Pedagogia, a experiência de ter tido filhos e de conviver com irmãos, a docência de sala com bebês não foi nada suficiente. Constatei, principalmente que, assim como eu, muitas professoras tiveram experiências e vivências similares, sobretudo, muitas delas com longos anos em sala com bebês e ainda assim, práticas pedagógicas que me parecem insuficientes para reconhecer os bebês como pessoas de inteireza. Percebi, então, que meu contato com os bebês foi feito mais de equívocos do que de certezas. Por isso, sou tranquilizada pelas palavras finais da tese da professora Carmen:
No encontro com a Profª. Drª Mariam Carmen houve um debate e uma professora levantou uma questão relacionada às Diretrizes Curriculares publicadas em 2009, sobre os eixos do currículo centrados nas relações e na brincadeira. Sua argumentação foi em relação à insuficiência das práticas pedagógicas com intencionalidade por parte das professoras, detectadas em um município catarinense. É esta a questão que decorre para o pedagogo: em que momento estamos com nossa formação concluída? Pode uma formação estar um dia concluída? Propostas e diretrizes dão conta por si só de sensibilizar os profissionais da educação a melhorar, a aperfeiçoar, a refletir sobre sua prática?
Conhecer Maria Carmen Barbosa deu-me pelo menos alguns caminhos:
- é preciso que nos revisitemos constantemente em nossas práticas e concepções;
- é preciso estudar muito;
- é preciso participar de cursos de formação em serviço e formação continuada;
- é preciso que reflitamos coletivamente os caminhos trilhados pela educação infantil;
- é preciso que nos despojemos de certezas e possamos buscar inovação nas dúvidas;
- é preciso buscar compreender o ser professor como uma atividade política;
- é preciso compartilhar nossas oportunidades (esta que faço aqui, por exemplo).
Termino com um pensamento de Lyotard, comentário em uma entrevista, que acessei pela tese de Barbosa, e que muito me diz sobre "ser" para o outro:
se eu devesse atribuir uma finalidade à educação - é uma pura hipótese da minha parte, - seria a de tornar as pessoas mais sensíveis às diferenças, de fazê-las sair do pensamento massificante. É preciso educar, instruir, nutrir o espírito de discernimento, formar para a complexidade (In: Kechikian, 1993, p.50).
Muito obrigada, Professora Lica!
Depois de tudo o que aprendemos nas ciências sociais do século XX,
é preciso que os educadores aceitem que os seres humanos
constituem em um campo onde agem distintas forças e que nós, os
educadores, também não somos nada mais do que aquilo que os
outros fizeram ou fazem de nós, e o que nós fizemos dessas
influências. Passa-se a vida inteira tentando forjar um eu, uma
identidade, mesmo que provisória, a partir das possibilidades e
escolhas que se tem. Mas por mais que se queira fazer deste eu uma
consciência una, autônoma, este eu vai continuar sendo cheio de
incertezas, mobilidade, de dúvidas. Este eu, é um eu formado de
outros, um eu permeado, não fixo. É um eu que emerge por amor e
por força.
No encontro com a Profª. Drª Mariam Carmen houve um debate e uma professora levantou uma questão relacionada às Diretrizes Curriculares publicadas em 2009, sobre os eixos do currículo centrados nas relações e na brincadeira. Sua argumentação foi em relação à insuficiência das práticas pedagógicas com intencionalidade por parte das professoras, detectadas em um município catarinense. É esta a questão que decorre para o pedagogo: em que momento estamos com nossa formação concluída? Pode uma formação estar um dia concluída? Propostas e diretrizes dão conta por si só de sensibilizar os profissionais da educação a melhorar, a aperfeiçoar, a refletir sobre sua prática?
Conhecer Maria Carmen Barbosa deu-me pelo menos alguns caminhos:
- é preciso que nos revisitemos constantemente em nossas práticas e concepções;
- é preciso estudar muito;
- é preciso participar de cursos de formação em serviço e formação continuada;
- é preciso que reflitamos coletivamente os caminhos trilhados pela educação infantil;
- é preciso que nos despojemos de certezas e possamos buscar inovação nas dúvidas;
- é preciso buscar compreender o ser professor como uma atividade política;
- é preciso compartilhar nossas oportunidades (esta que faço aqui, por exemplo).
Termino com um pensamento de Lyotard, comentário em uma entrevista, que acessei pela tese de Barbosa, e que muito me diz sobre "ser" para o outro:
se eu devesse atribuir uma finalidade à educação - é uma pura hipótese da minha parte, - seria a de tornar as pessoas mais sensíveis às diferenças, de fazê-las sair do pensamento massificante. É preciso educar, instruir, nutrir o espírito de discernimento, formar para a complexidade (In: Kechikian, 1993, p.50).
Muito obrigada, Professora Lica!